Introdução — O que é uma Válvula Rotativa e Quando Usá-la
A válvula rotativa (rotary valve; airlock) é um equipamento de processo para o manuseio de pós e grânulos: o rotor de células transfere produto de um ponto a outro, controlando a vazão e frequentemente atuando como barreira de pressão (airlock) entre zonas com diferentes pressões. Em linhas farmacêuticas, é empregada em fases como: descarga de silos/IBC, alimentação de moinhos e misturadores, transporte pneumático, dosagem para prensas e encapsuladoras.
Quando usá-la:
- Para descarga controlada (gravimétrica ou assistida por pneumática) de pós/grânulos.
- Para isolamento de pressão em sistemas de transporte pneumático (fase diluída/densa) ou entre zonas com ΔP.
- Para dosagem repetível, quando o controle via velocidade do rotor garante fluxo estável.
- Para prevenir o refluxo de ar/gás, preservando a integridade do processo a jusante.
No setor farmacêutico, a escolha requer atenção à sanidade, limpeza e documentação (cGMP), materiais e acabamentos conformes (FDA, USP Classe VI), desmontagem rápida para limpeza e possibilidade de CIP/SIP onde aplicável.
Como Funciona — Princípios (Rotor, Vedação, Vazão)
A válvula compreende um corpo com entrada (inlet) e saída (outlet) e um rotor com cavidades (células). O produto, por gravidade (ou arrastado pelo ar no tipo blow-through), preenche as células na parte superior e é descarregado inferiormente enquanto o rotor gira.
Princípios-chave:
- Vedação/airlock: Folgas (clearances) adequadas entre as pontas das palhetas e o corpo minimizam o bypass de ar e asseguram o isolamento de pressão.
- Vazão: Proporcional ao volume por giro (geometria das células) × velocidade de rotação.
- Cisalhamento e integridade do produto: Geometria e material do rotor influenciam a delicadeza do manuseio, reduzindo a degradação de partículas frágeis.
- Limpeza e desmontagem: No ambiente farmacêutico, é essencial um design sanitário e desmontável para evitar zonas mortas e facilitar limpeza/inspeção.
Configurações comuns:
- Drop-through (descarga por gravidade): O produto cai através da válvula; emprego como alimentador/isolador.
- Blow-through: As palhetas descarregam diretamente em uma linha pneumática; melhora o pick-up e reduz acúmulos.
Tipos de Válvulas Rotativas para Sólidos
Por Função e Geometria do Rotor
- Rotor de palhetas retas (multi-células): O mais difundido para airlock/alimentação geral.
- Rotor “scalloped”/arredondado: Reduz retenções e corte em partículas delicadas.
- Rotor com pontas flexíveis (ex. PTFE): Compensa pequenas tolerâncias, melhora a vedação com baixa abrasão.
- Rotor de dosagem (baixo volume/microdosagem): Cavidades reduzidas para dosagem fina e repetível (sinergia natural com Rotodoser).
Por Construção e Higienização
- Corpo bipartido/cantilever: Facilita a extração do rotor sem remover a válvula da linha; acelera limpeza/inspeção.
- Design sanitário com cantos internos arredondados, parafusos não à vista e superfícies polidas: Minimiza retenções e facilita CIP/SIP.
- Execução blow-through vs. drop-through (veja acima).
Por Material e Acabamento
- AISI 316L (padrão farmacêutico) com eletropolimento; rugosidades típicas Ra ≤ 0,8 μm (muitas aplicações requerem Ra ≤ 0,5/0,4 μm).
- Hastelloy (C-22/C-276) para ambientes mais corrosivos.
- Rotores em 316L ou polímeros de engenharia (ex. PEEK) para reduzir atrito/adesão; vedações em materiais FDA/USP Classe VI (PTFE, EPDM, FKM, silicone).
Critérios de Seleção — Do Pó ao Processo
Para uma especificação correta, considere propriedades do produto e condições de processo:
Granulometria & Forma Particulada
- Finos coesivos (ex. API micronizado) empacotam/aderem: privilegiar superfícies polidas, rotor arredondado, eventuais revestimentos antiaderentes e auxílios de fluxo na tremonha.
- Grânulos maiores e fluentes: Foco em capacidade volumétrica e airlock.
Higroscopicidade e Eletricidade Estática
- Produtos higroscópicos tendem a aderir; avaliar purga de ar seco e controle ambiental.
- Cargas eletrostáticas requerem aterramento e, às vezes, materiais antiestáticos.
Abrasividade
- Partículas duras exigem materiais robustos (316L com tratamentos/dureza ou Hastelloy) e folgas corretas para evitar desgaste precoce.
Densidade Aparente e Vazão Requerida
- Dimensionar volume por giro e faixa de RPM; para dosagem, verificar estabilidade do fluxo (pode requerer controle em malha fechada com pesagem a montante/jusante).
Pressão/Temperatura
- Avaliar se a válvula operará como airlock (ΔP). Assegurar que vedações e folgas suportem a temperatura de operação (e CIP/SIP, se presente).
ATEX / Risco de Pós
- Identificar classificação de área e exigir execução conforme (aterramento, componentes certificados).
Limpeza e Validação (cGMP)
- Necessidade de desmontagem rápida e/ou CIP/SIP; rastreabilidade dos materiais, certificações (FDA/USP), IQ/OQ e documentação.
Interfaces Mecânicas
- Conexões sanitárias (Tri-Clamp, SMS, BFM®/manguitos), orientação (vertical/horizontal), espaço para extração do rotor (se cantilever).
Requisitos Sanitários e de Conformidade
No setor farmacêutico, a válvula rotativa deve respeitar cGMP e as normas aplicáveis, incluindo:
- Materiais em contato: AISI 316L como padrão; gaxetas/vedações com conformidade FDA (21 CFR) e, quando requerido, USP Classe VI; para maior corrosão, Hastelloy.
- Acabamento superficial: Ra ≤ 0,8 μm (frequente) ou melhor com base no risco de retenção/limpeza. Eletropolimento recomendado.
- Projeto sanitário: Superfícies contínuas, raios internos, ausência de fendas/roscas expostas na zona de produto, desmontagem rápida do rotor/carcaça.
- Limpeza: Compatibilidade CIP/SIP onde aplicável (geometrias e vedações adequadas) ou desmontagem sem ferramentas para limpeza manual validável.
- Documentação: DQ/IQ/OQ, certificados de materiais, rastreabilidade, manuais de limpeza/manutenção e lista de peças de reposição.
- Segurança: Conformidade ATEX/zonas com pós explosivos, aterramento e proteções mecânicas.
- Contato alimentar: Onde presentes interfaces com nutracêuticos/alimentos, atenção também ao Reg. (CE) 1935/2004.
Integração em Linha — Conexões e Layouts Típicos
Com Transportadores Pneumáticos
- Blow-through: O rotor descarrega diretamente na tubulação, otimizando o pick-up de ar; indicado quando o espaço é crítico ou há risco de acúmulo na saída.
- Drop-through com pick-up abaixo: Comum em fase diluída; pode requerer by-pass/vent para equilibrar pressões e reduzir a reaeração na tremonha.
Com Silos/IBC, Moinhos, Misturadores e Prensas
- Na descarga de IBC/silos, a válvula funciona como alimentador; combinar com massageadores, vibradores ou cones fluidizantes para pós coesivos.
- Na alimentação de moinhos/misturadores: buscar fluxo estável e anti-segregação.
- A montante de prensas/encapsuladoras, se necessária dosagem fina, avaliar soluções tipo Rotodoser (microdosagem) com controle de velocidade e, se necessário, malha fechada via balança de verificação.
Automação & Controle
- Inversor de frequência (VFD) para regular a vazão.
- Sensores de rotação/torque para proteção/diagnóstico.
- Intertravamentos com montante/jusante (pressostatos, nível).
- Receitas por produto (RPM, setpoints, permissivos).
Problemas Comuns e Como Resolvê-los
Empacotamento/Ponte na Tremonha
- Causas: Pó coesivo, umidade, baixa energia na tremonha.
- Soluções: Auxílios de fluxo (vibrador, massageador), ângulo adequado de tremonha, revestimentos antiaderentes, purga de ar seco, rotor/palhetas com geometria suave.
Abrasão e Desgaste
- Causas: Partículas duras; folgas inadequadas.
- Soluções: Materiais/tratamentos resistentes (316L alta dureza, Hastelloy), clearances corretas, pontas substituíveis (ex. PTFE) onde aplicável.
Perda de Airlock / Vazamento de Ar
- Causas: Desgaste do rotor/vedações; folga excessiva.
- Soluções: Manutenção preventiva, pontas flexíveis, verificação de ΔP e vent da tremonha.
Degradação do Produto / Geração de Finos
- Causas: Palhetas agressivas; RPM elevado.
- Soluções: Rotor arredondado, RPM menor, maior volume por giro (mesma vazão com menor velocidade).
Carry-over / Retenção
- Causas: Geometrias com cantos vivos; acabamento ruim.
- Soluções: Polimento/eletropolimento, cantos arredondados, design sanitário sem zonas mortas.
Casos Práticos (Exemplos Ilustrativos)
Caso 1 — Alimentação Estável de Prensa para Comprimidos (API + Excipiente)
- Desafio: Mistura sensível e parcialmente coesiva gerava variabilidade de massa por comprimido.
- Solução: Válvula rotativa sanitária com rotor arredondado, Ra ≤ 0,5 μm, controle via VFD e by-pass de ar para estabilizar a pressão na tremonha.
- Resultado: Redução da variabilidade de alimentação, melhor uniformidade dos comprimidos e menor retrabalho.
Caso 2 — Transporte Pneumático Blow-through em Grânulo Higroscópico
- Desafio: Acúmulo na saída em configuração drop-through e absorção de umidade na tremonha.
- Solução: Migração para blow-through, purga de ar seco na zona de carga, vedações USP Classe VI compatíveis com SIP.
- Resultado: Eliminação do acúmulo, menores paradas para limpeza e preservação da fluidez.
Tabela Comparativa — Materiais & Vedações (Síntese Técnica)
| Elemento em Contato | Opções Típicas | Quando Preferir | Notas Farmacêuticas |
|---|
| Corpo/tampas | AISI 316L | Padrão farmacêutico | Eletropolido; Ra ≤ 0,8/0,5/0,4 μm segundo risco |
| Corpo/tampas | Hastelloy C-22/C-276 | Ambiente agressivo/corrosivo | Custo maior; avaliar somente se necessário |
| Rotor | 316L polido | Versátil e robusto | Menor adesão com alto polimento |
| Rotor | PEEK (polímero de engenharia) | Reduz atrito/adesão | Verificar compatibilidade térmica/SIP |
| Pontas/vedações | PTFE (FDA/USP VI) | Baixa fricção e inércia química | Possível versão com mola (lip seals) |
| Vedação | EPDM (FDA/USP VI) | Água/CIP alcalino | Verificar compatibilidade com solventes/aromas |
| Vedação | FKM/Viton® (FDA/USP VI) | Solventes/óleos | Limite de temperatura segundo grau |
| Vedação | Silicone (FDA/USP VI) | Ampla compatibilidade | Boa faixa térmica; atenção aos solventes |
Nota: A escolha final depende de produto, limpeza, temperatura, ΔP, CIP/SIP e requisitos de validação.
Checklist Técnica para RFQ (para PDF Protegido)
Use este checklist para solicitar uma cotação técnica direcionada:
Sobre o Produto (pó/grânulo)
- Nome/composição (indicar API/excipientes que impactam a compatibilidade)
- Granulometria (D10/D50/D90) e densidade aparente
- Coesão/higroscopicidade (ex. ângulo de repouso, índice de compressibilidade)
- Abrasividade e sensibilidade à degradação
- Temperatura/umidade de operação
Sobre o Processo
- Função da válvula: airlock, alimentador ou dosador (microdosagem?)
- Vazão mínima/máxima (kg/h) e estabilidade requerida
- Posição (drop-through/blow-through), espaço disponível, orientação
- ΔP entre montante/jusante e pressão/temperatura de operação
- Integrações: silo/IBC, misturador, moinho, prensa, transporte pneumático (fase, vazão de ar)
Execução Mecânica & Sanitária
- Material corpo/rotor (316L, Hastelloy, rotor PEEK?)
- Acabamento interno requerido (Ra alvo) e eletropolimento
- Gaxetas/vedações (PTFE, EPDM, FKM, silicone; requerer FDA/USP VI)
- Desmontagem rápida/cantilever; CIP/SIP (sim/não)
- Conexões (Tri-Clamp, SMS, BFM®/manguito), requisitos de raio interno e ausência de fendas
Automação & Controle
- Faixa de RPM; motor + inversor; sensores (velocidade/torque)
- Intertravamentos e permissivos de segurança
- Grau de repetibilidade/controle da dosagem (se em malha fechada)
Documentação & Validação
- Certificados de materiais e vedações (FDA, USP VI)
- DQ/IQ/OQ, FAT/SAT, manuais de limpeza/manutenção
- Lista crítica de peças de reposição (vedações, pontas, rotor)
FAQ Técnico
1) A válvula rotativa pode dosar com precisão?
Sim, em dosagens volumétricas em que a vazão é função de volume/giro e RPM. Para maior precisão/repetibilidade, recomenda-se malha fechada (pesagem) ou soluções dedicadas de microdosagem (ex. Rotodoser).
2) Como escolher entre drop-through e blow-through?
Blow-through é preferível quando a jusante há transporte pneumático e risco de acúmulo/umidade na saída; o drop-through é simples e robusto para alimentação por gravidade.
3) É possível CIP/SIP?
Depende do design. Existem execuções sanitárias compatíveis com CIP/SIP; outras adotam desmontagem rápida validável. Definir na RFQ.
4) O que determina o acabamento (Ra)?
O risco de retenção e o método de limpeza. Produtos coesivos e limpeza manual requerem Ra mais baixo (≤ 0,5/0,4 μm). O eletropolimento ajuda.
5) Como evitar a degradação das partículas?
Usar rotor arredondado, RPM menor e maior volume por giro para a mesma vazão; minimizar folgas agressivas.
6) Quais vedações escolher?
Depende de química/temperatura/CIP. PTFE é inerte e de baixa fricção; EPDM/FKM/silicone variam segundo solventes e temperatura. Requerer FDA/USP VI.
7) A válvula é conforme ATEX?
Sim, quando especificada e construída para a zona. Inserir na RFQ a classificação e garantir aterramento e componentes adequados.
8) Quando considerar o Hastelloy?
Somente na presença de corrosão significativa que torne crítico o 316L — avaliar custo/benefício.
Boas Práticas de Instalação & Manutenção
- Prever espaço frontal para extração do rotor (se cantilever) e acesso para inspeção.
- Inserir by-pass/vent para estabilizar a pressão na tremonha.
- Aterramento de todas as seções para evitar cargas.
- Plano de manutenção com verificação periódica de folgas, vedações e desgaste do rotor.
- Procedimentos de limpeza validados, com etapas e controles pós-remontagem.
- Kit mínimo de peças de reposição: conjunto de vedações, pontas (se aplicável) e rotor (quando crítico para o uptime).